Os ciclos orbitais como explicação para as eras glacias da Terra – a teoria de Milankovitch

Hoje sabemos e temos disponíveis inúmeras explicações e medidas que em tempos atrás não eram tão fáceis de se acreditar e conseguir. Por exemplo, sabemos a idade próxima do Universo, do Sistema solar e da Terra. Sobre esta última, o valor de 4,55 bilhões de anos (segundo a Bíblia a Terra não teria mais que 20 mil anos) só foi obtido em 1953 por Clair Patterson por espectógrafo de massa, equipamento capaz de detectar quantidades mínimas de urânio e chumbo (decaimento) em cristais antigos (BRYSON, 2005).

Registros geológicos (fósseis, sedimentos e sinais de geleira) indicam que no decorrer desses mais de quatro bilhões de anos, o clima e paisagem da Terra variaram extremamente, e paleontólogos querem cada vez mais desvendar e simular essas condições antigas, mas o que causaram, e causarão essas variações?

Segundo Bryson (2005), um pobre zelador nascido em 1821 chamado James Croll foi o primeiro a propor que mudanças cíclicas na forma da órbita terrestre, de elíptica para quase circular, e elíptica novamente, poderiam explicar o começo e recuo das eras glaciais, isto é, ninguém antes pensara que variações climáticas tinham explicações astronômicas. No início do século XX o acadêmico sérvio Milutin Milankovitch, sem nenhuma formação em movimentos celestes (era formado em engenharia mecânica) aos poucos foi refinando os cálculos culminando no livro Mathematical climatology and the astronomical theory of climatic changes [Climatologia matemática e a teoria astronômica das mudanças climáticas] em 1930.

Silva (2007) citando Imbrie & Imbrie (1979) descreve que de acordo com as descobertas matemáticas de Milankovitch, a intensidade dos efeitos da insolação varia com a latitude, ou seja, os três principais fatores a seguir agindo conjuntamente influenciam na dinâmica climática terrestre:

  • Precessão: possui um período absoluto da ordem de 22 mil anos, com períodos principais médios de cerca de 19 e 23 mil anos e extremos em 14 e 28 mil anos. O efeito da precessão está 180° fora de fase entre os hemisférios norte e sul e é maior no equador, diminuindo em direção aos pólos;
  • Obliqüidade: a inclinação do eixo da Terra em relação à normal ao plano da órbita varia entre 22° e 24,50° , com um período médio de cerca de 41 mil anos e modula a sazonalidade, principalmente nas altas latitudes;
  • Excentricidade: varia entre órbitas mais elípticas (excentricidade de cerca de 0,06) e mais circulares (cerca de 0,001), estando atualmente com aproximadamente 0,01. Possui uma periodicidade de aproximadamente 100 mil anos na média, com componentes importantes em 95, 123 e 136 mil anos.

                A figura 1 representa graficamente cada um dos fenômenos:

fig_bruno
Figura 1. Representação dos ciclos orbitais: a excentricidade; b obliquidade e c precessão. Fonte: Silva (2007).

A figura 2 abaixo mostra os gráficos desses três fatores desde 250 mil anos atrás até 100 mil anos no futuro:

fig2_bruno (2)
Figura 2. Variações da excentricidade, precessão e obliquidade de 250 mil anos atrás até 100 mil anos à frente. Fonte: Berger (1978c).

Segundo Berger (1980), a teoria de Milankovitch indica que as glaciações ocorrem quando:

a-) o verão começa no afélio, ou seja, quando a distância entre a Terra e o Sol é maior;

b-) a excentricidade é máxima, ou seja, a distância entre a Terra e o Sol no afélio é a maior possível. Isso afeta não só a intensidade relativa e a duração das estações nos diferentes hemisférios, mas também a diferença entre a insolação máxima e mínima recebida durante um ano;

c-) a obliquidade é baixa, significando que a diferença entre verão e inverno é fraca e o contraste latitudinal é maior.

A teoria de Milankovitch foi alvo de disputas durante décadas. Porém, em 1976, Hays et alii apud Silva (2007), demonstraram que as frequências astronômicas estavam presentes de forma significativa nos dados paleoclimáticos. Assumiram primeiramente em seu estudo que o sistema climático tinha uma resposta linear à indução orbital. A partir de dois testemunhos do fundo do mar, que continham um registro contínuo de 450 mil anos, analisaram três parâmetros sensíveis às mudanças climáticas e os transformaram em séries temporais geológicas. Os parâmetros eram a composição isotópica de oxigênio (δ18O) em foraminíferos planctônicos, uma estimativa das temperaturas de verão na superfície do mar, baseada em radiolários, e a abundância relativa de outras espécies de radiolários e encontraram, nos espectros de intensidade, ciclos quase-periódicos correspondentes aos orbitais.

Melo e Marengo (2008), ao simular o clima do Holoceno Médio (seis mil anos atrás) na América do Sul, compararam parâmetros orbitais dessa época com o atual, respectivamente: obliquidade (24,105 e 23,440); excentricidade (0,0018682 e 0,016724) e precessão dos equinócios (0,87 e 102,04) o que nos mostra que esmo num intervalo geológico curto há diferenças nesses valores.

Os ciclos de Milankovitch sozinhos não são suficientes para explicar ciclos de eras glaciais, outros fatores como disposição dos continentes por exemplo influenciam. No entanto os períodos interglaciais duraram somente 8 mil anos, ou seja, esses últimos dez mil anos estão “estranhamente calmos” (BRYSON, 2005). A figura 3 apresenta três gráficos, os dois primeiros de concentração de Co2 e CH4 e o terceiro a temperatura média do planeta nos últimos 420 mil anos.

fig3_bruno.png
Figura 3. Concentrações de GEE e temperatura média global nos últimos 420 mil anos. Fonte: Hansen et al. (2007)

Percebe-se que a partir do século XIX não há a “queda” periódica como nas épocas anteriores, que também são consequências da soma das três funções periódicas (excentricidade, obliquidade e precessão), as concentrações de GEE dispararam e a temperatura não reage de maneira linear. Podem as ações antrópicas dos últimos séculos que marca o que alguns chamam de Antropoceno, influenciar no clima global? Bem, é uma pergunta que cabe a um próximo artigo.

Bruno Morais

Referências

BERGER, A., Numerical values of the elements of the Earth’s orbit from 5,000,000 YBP to 1,000,000 YAP (astronomical solution of Berger, 1978), Contrib. 35, Inst. d’Astron. et de G•ophys. G. Lemaitre, Univ. Catholique, Louvainla-Neuve, Belgium, 1978c.

BERGER,A. 1980. The Milankovitch astronomical theory of paleoclimates: a modern review. Vistas in Astronomy, 24:103-122.

BRYSON, B. Breve história de quase tudo; tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Hansen, J., M. Sato, P. Kharecha, G. Russell, D.W. Lea, and M. Siddall, 2007: Climate change and trace gases. Phil. Trans. Roy. Soc. A, 365, 1925-1954, doi:10.1098/rsta.2007.2052.

HAYS,J.D.; Imbrie,J.; SHACKLETON, N.J. 1976. Variations in the Earth’s orbit: pacemaker of the ice ages. Science, v.194, p. 1121-1132, December.

SILVA,J.G.R. 2007. Ciclos orbitais ou ciclos de Milankovitch. Textos de Glossário Geológico Ilustrado

MELO, M. L. D.; MARENGO, J. A. Simulações do clima do Holoceno Médio na América do Sul com o modelo de Circulação Geral da Atmosfera do CPTEC. Revista Brasileira de Metereologia, v. 23, n. 2, 191-205, 2008.

Um comentário sobre “Os ciclos orbitais como explicação para as eras glacias da Terra – a teoria de Milankovitch

Deixe um comentário